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Unidades de Conservação Marinha do Brasil foram amenizadas

Cientistas acusam governo de ter alterado proposta inicial mais rígida
<p>A costa do Espírito Santo. (imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/giancornachini/14262561951/in/photolist-nJkmLx-59ipG4-4QbZ8x-b4feVk-b1JqiB-aoYVrh-b1JqTz-aYGzEk-bD7asq-weJLBp-4QNpqy-8hgsxW-aBmZaN-4QDzqK-vMc9zS-v2Kp9V-vWNWGM-weiB1K-jYtVyy-w5bgpV-vM9uSj-vPDw8q-w6BNZJ-w4WxzU-4PzcdX-vMb6w7-w7EBeg-aAnf7M-b4fe8g-aoq3aP-az5y32-aZipPg-axLcrD-aApWyd-aQZsNk-apBQ8s-b4ffsM-b6aGSi-aQZtre-auCL96-aSW37X-aoq2wT-aQZrWv-aZisiM-b1JnNH-anjBU8-aqjNbY-aqjNMU-aqh4Ri-b6aKmR">Gian Cornachini</a>)</p>

A costa do Espírito Santo. (imagem: Gian Cornachini)

Mais de 150 pessoas, entre cientistas, pesquisadores e ambientalistas, enviaram carta ao presidente do Brasil, Michel Temer, alertando ser um “grave erro” a não inclusão das ilhas nas duas Unidades de Conservação Marinha criadas pelo seu governo e anunciadas por ele durante o Cúpula Global dos Oceanos, realizada em Playa del Carmen, no México, entre os dias 7 e 9 de março.

Essas mudanças, dizem os pesquisadores que ajudaram na elaboração das Unidades de Conservação, foram feitas dias antes de o presidente anunciar que as águas marinhas brasileiras protegidas passariam de 1,5% para 25%. E que, portanto, o Brasil teria cumprido antecipadamente e com folga o Acordo de Aichi#11, acordo internacional que exige a proteção de pelo menos 10% das áreas marinhas e costeiras de cada país até 2020.

Ali estão concentradas 80% das espécies que vivem em recifes (recifais) e são essas as que precisão de maior proteção

“Sem dúvida é um avanço, mas as propostas estão totalmente descaracterizadas”, afirmou ao Diálogo Chino Hudson Pinheiro, da Academia de Ciências da Califórnia (EUA).

Responsável pela proposta de conservação do arquipélago de Trindade e Martim Vaz, na costa brasileira do estado do Espírito Santo, Pinheiro esclarece que é exatamente ao redor das ilhas onde ficam as espécies mais ameaçadas de extinção. “Ali estão concentradas 80% das espécies que vivem em recifes (recifais) e são essas as que precisão de maior proteção”, alerta ele em tom de queixa uma vez essa parte foi retirada de seu projeto.

Trindade é composta por uma cordilheira de 1,2 mil quilômetros, que começa na costa da cidade de Vitória e tem 30 montes submarinos. Ali estão 270 espécies de peixes que vivem nos recifes, 24 delas ameaçadas de extinção. É um dos maiores índices de diversidade de todo o Oceano Atlântico. “A ilha de Trindade ficou praticamente fora da área de proteção”, reclama ele.

Assim como outros cientistas, Pinheiro diz que a Marinha brasileira teria pressionado o governo para tirar as ilhas da área de proteção para que os militares possam continuar pescando no local. Segundo ele, toneladas de peixe limpo são armazenadas no local. Ele não soube dizer, com que finalidade esses peixes estão ali: se para consumo dos próprios soldados, apesar de a quantidade ser muito grande, ou para ser comercializada.

São Pedro e São Paulo, existem 213 espécies, dessas 19 correm risco de extinção e uma delas já está extinta

“O nosso projeto previa a pesca na costa da Base Militar”, relembra Pinheiro. Além disso, quando fez os estudos da região para elaboração do projeto de preservação, o cientista ouviu relatos de uma quantidade “enorme” de embarcações ilegais asiáticas ao redor da ilha, outro fator que põe em risco as espécies em extinção.

“Com esse novo recorte, as áreas insulares e mais rasas das ilhas estariam fora das áreas de proteção integral, essencialmente importantes para a conservação da frágil e ímpar biodiversidade”, alertam os estudiosos na carta enviada a Temer. Os cientistas ainda advertem o presidente que as principais áreas de diversidade biológica são exatamente os arquipélagos e os topos dos montes submarinos.

Apesar de as Unidades de Conservação Marinhas protegerem uma área equivalente a 92 milhões de hectares, a retirada das ilhas oceânicas da área proposta “compromete fortemente” a conservação dessas áreas e das espécies que ali vivem. No menor e mais isolado arquipélago tropical do mundo,  São Pedro e São Paulo, existem 213 espécies, dessas 19 correm risco de extinção e uma delas já está extinta.

“O ótimo não pode ser inimigo do bom. Agora temos quase 92 milhões de hectares de área protegida”, disse ao Diálogo Chino a bióloga Angela Kuczach, diretora-presidente da Organização Não-Governamental Rede Pró Unidades de Conservação. Mesmo assim, ela também se sente “surpresa” com o fato de o decreto presidencial não ter sido exatamente como combinado.

Principal responsável pela visita da reconhecida oceanógrafa Sylvia Earle, da Mission Blue, ao presidente brasileiro no início de março, Kuczach diz que no caso de São Pedro e São Paulo, o que houve foi que a Marinha tem um contrato com a empresa de pesca comercial Transmar – Captura, Indústria e Comércio de Pescados Ltda., que leva os pesquisadores até a estação científica do arquipélago.

Quem paga por esse transporte é a Marinha porque é ela quem mantém a soberania nacional sobre o arquipélago. Ao manter a ilha sempre ocupada por civis, o Brasil está cumprindo a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar incorporando a área a sua Zona Economicamente Exclusiva.

“As áreas oceânicas protegidas são uma forma de garantir a soberania das ilhas e dos arquipélagos”, lembra a bióloga sem entender ao certo porque então a Marinha quis manter a região fora da Unidade de Conservação.

Governo e Marinha têm até 180 dias a partir da publicação do decreto para elaborar em conjunto um plano de manejo dessas áreas protegidas. “Espero que pelo menos eles sejam rígidos nesse plano de manejo”, diz com esperança Hudson Pinheiro. “Temos que trabalhar juntos nesse plano de manejo”, complementa Angela Kuczach.

Procurado pelo Diálogo Chino, o governo brasileiro limitou-se a enviar uma nota afirmando que “as áreas marinhas protegidas passaram de 1,5 a 26,3%, com a publicação dos Decretos 9312/18 e 9313/18. São áreas reconhecidamente de importância para a biodiversidade, na lista de áreas prioritárias desde 2007”.