Indústrias Extrativistas

O lítio na Argentina com chancela chinesa

Os impactos ambientais não estão sendo suficientemente estudados
<p>Empresas chinesas estão interessadas em minerar lítio em salinas da América do Sul (imagem: <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Watching_Sunset_Salar_de_Uyuni_Bolivia_Luca_Galuzzi_2006.jpg">wikimedia</a>)</p>

Empresas chinesas estão interessadas em minerar lítio em salinas da América do Sul (imagem: wikimedia)

A chegada de empresas e atores chineses à Argentina, mais evidenciada na última década, também pôde ser observada no setor de mineração. A Shadong estaria comprando 50% da operação de Veladero, propriedade da canadense Barrick Gold – que teve mais de três vazamentos tóxicos em pouco menos de um ano e meio. Assim como está comprando, tem, também, especial interesse na mineração de lítio. Este mineral fornece matéria-prima essencial para aparelhos elétrico-eletrônicos (telefones celulares, computadores portáteis, tablets) e veículos movidos a propulsão elétrica (hídricos, elétricos puros). Estes usos do lítio impulsionaram significativamente sua demanda na última década, em particular a partir do crescimento do mercado asiático.

A China é hoje o primeiro consumidor de lítio em nível mundial, com 35% do total, seguido pela Europa (24%), Japão (11%), Coreia do Sul (10%) e Estados Unidos (9 %). Os países asiáticos são responsáveis por mais da metade do consumo mundial (56%). A exigência do gigante asiático duplicou nos últimos dez anos, passando das 18.000 toneladas de LCE em 2002, para 50.000 toneladas em 2012.

Além disso, os capitais chineses, como da empresa Sinopoly Battery Limited, estão entre os cinco mais importantes do mercado de lítio, com uma participação de 5,42%.

A China é hoje o primeiro consumidor de lítio em nível mundial, com 35% do total

É nesse contexto que a recente chegada do capital chinês ao país vinculado ao lítio, não surpreende. Sobretudo se levamos em conta que a Argentina, comparativamente, oferece maiores facilidades para a implantação de projetos de mineração.

Como parte do triângulo do cone sul de lítio, que abriga 60% das reservas de lítio de salmouras, e é a forma mais econômica atual de extração, a Argentina é o único dos três países em que esse mineral pode ser explorado livremente, bastando para isso uma simples concessão, liberada pela autoridade correspondente.

A Bolívia declarou o Salar de Uyuni como Reserva Fiscal, não mais autorizando licenças de mineração, além de decidir explorar o lítio como uma atividade primordialmente estatal, com pouca participação do setor privado, mesmo que, depois dos vários desafios encontrados, tenha revisado sua estratégia, dando mais espaço a capitais chineses e sul-coreanos.

No Chile, por outro lado, a permissão para exploração do lítio não é concedida desde 1979, quando adquiriu caráter estratégico devido a seus interesses militares e nucleares, só sendo permitida a produção em áreas habilitadas antes dessa data, mesmo que, atualmente, seja discutida a flexibilização desses critérios, desde que exista articulação estatal.

O interesse das empresas chinesas pelo lítio não se esgota neste caso, ao contrário, soma-se ao interesse pelos empreendimentos na província de Catamarca, onde fizeram vários anúncios.

Para a Argentina não é novidade a presença de empresas transnacionais no setor minerador. Sem dúvidas, a eliminação das interdições ao setor, em fevereiro de 2016, acelerou este processo. Aumentaram significativamente os anúncios de explorações de lítio e começaram a surgir os nomes de novas empresas interessadas.

Um dos fatos mais significativos foi a incorporação da empresa chinesa Ganfeng a um projeto, de propriedade da joint venture constituída pelas empresas Sociedade Química e Mineradora do Chile (SQM) e Lithium Americas Corp (LAC), canadense, para a exploração do Salar de Olaroz-Caucharí, localizado a oeste da Província de Jujuy, distante 70 quilômetros da fronteira com o Chile.

Entre as condições do acordo, a Ganfeng adquiriu 19,9% das ações da canadense Lithum Americas Corp (LAC) e ofereceu US$ 125 milhões para cobrir custos de construção, garantindo a compra de 70% da produção de lítio da primeira etapa, que correspondia à canadense.

Nesse caso, dois motivos chamam a atenção: primeiro, a Ganfeng e a SQM haviam tentado chegar a um acordo de vinculação para explorações no Chile, sem êxito. E segundo, as dificuldades da própria SQM para ampliar suas operações no Chile, mergulhada que está em escândalos vinculados a financiamentos políticos.

O interesse das empresas chinesas pelo lítio não se esgota neste caso, ao contrário, soma-se ao interesse pelos empreendimentos na província de Catamarca, onde fizeram vários anúncios.

Nas proximidades do Salar de Olaroz-Caucharí, está sendo projetado um dos maiores Parques Solares do mundo, com capacidade instalada de 300 megawatts (MW), que contará com financiamento chinês e servirá para abastecer, entre outros, as atividades mineradoras na região.

Discussões necessárias: impactos sociais e ambientais

Mesmo que a mineração de lítio seja apresentada por seus principais promotores como menos agressiva, e termos de impactos ambientais, se comparada à mineração a céu aberto, não é inócua, e gera outra série de impactos ambientais, que não estão sendo suficientemente estudados.

As várias tecnologias utilizadas para extrair e separar os compostos de lítio (carbonatos, sulfatos) de outros elementos químicos são condicionadas aos fatores particulares que caracterizam cada salar (concentração de lítio, concentração de potássio, relação entre lítio e magnésio, taxas de evaporação e de precipitação), mas a maioria delas, utilizadas na atualidade, dependem do bombeamento das salmouras e da precipitação dos diversos compostos químicos em um sistema de tanques.

Na Argentina, a extração do lítio causa preocupação, principalmente, pelo equilíbrio dos delicados sistemas hídricos de La Puna, onde também existe água doce, que alimenta as planícies muito úmidas e as lagoas da região, e constitui o meio de vida das comunidades locais.

Os salares de La Puna, onde é encontrado o lítio, são bacias endorreicas, considerados ecossistemas frágeis, que sofrem estresse hídrico ao longo do ano e abrigam valiosíssima biodiversidade. Especialistas no assunto recomendam analisar os impactos ambientais de maneira profunda e cuidadosa.

Na maioria dos casos, entretanto, os projetos são aprovados sem informação suficiente e sem estudos de base sobre o delicado funcionamento desses ecossistemas. Não são realizados estudos hidrogeológicos integrais de toda a bacia para determinar o significado e o tipo de impacto, não somente de cada projeto individualmente, mas de todos os projetos em conjunto, com a utilização da água já existente.

Por outro lado, também não são consideradas as demandas sociais e as preocupações de distintas comunidades indígenas que habitam os territórios de La Puna. A chegada de muitas empresas aos salares argentinos, principalmente na província de Jujuy, provocou rompimento nos tecidos sociais, reforçando a enorme assimetria entre os atores.

Se há grupos que reivindicam participar dos benefícios da atividade mineradora, existem outros que se opõem a elas, preocupados pelos impactos que podem causar na água, vital para a reprodução de sua vida e valores culturais.

Além disso, no rol das reclamações está o respeito aos seus direitos de participação e consulta nos processos de tomada de decisão, amplamente reconhecidos no meio jurídico argentino, e mobilizam resistências recorrendo à justiça para que seja garantido o respeito ao seu direito.

Frente a este panorama de insuficiente abordagem dos aspectos ambientais e as consequências sociais vinculados ao lítio, preocupa a chegada de atores chineses, que vai continuar aprofundando este panorama.

A estratégia: abastecer-se de um recurso estratégico

A grande concorrência que existe pelos mercados de lítio levou os distintos conglomerados que dominam o mercado a posicionar-se em lugares centrais, para dominar as distintas etapas da cadeia de produção. Mediante a utilização da figura de “joint venture”, as empresas de lítio ou os consórcios mistos se aliam a empresas públicas ou mistas locais, além do setor automotriz, expandindo suas carteiras empresariais. Dessa forma, é feito o acesso direto às minas de lítio, assegurando determinado volume da produção (carbonato de lítio, cloreto de lítio), a preços mais econômicos que os internacionais.

Nessa linha, os atores chineses repetem as mesmas estratégias que seus competidores japoneses ou coreanos, despertando fundamentadas dúvidas sobre a possibilidade do avanço das diferentes estratégias de produção de baterias no país, como é desejado por diversos setores.