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Falta consciência sobre os riscos climáticos na América Latina

Investidores estão mais preocupados com governança corporativa
<p>América Latina ainda não se preocupa com mudança climática (imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/40969298@N05/13635340783" target="_blank" rel="noopener">Joe Brusky</a>)</p>

América Latina ainda não se preocupa com mudança climática (imagem: Joe Brusky)

A América Latina fica atrás da Europa Ocidental, Estados Unidos, Austrália e China quando o assunto é conhecimento e gestão dos riscos causados pelas mudanças climáticas aos seus investimentos, segundo um recente relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Os ativos encalhados – ou seja, ativos que sofreram desvalorização devido a fatores externos, tais como desafios ambientais, novas regulamentações governamentais ou redução dos custos tecnológicos – são considerados um tema de baixa prioridade na região apesar de representarem uma “ameaça sistêmica” à estabilidade financeira, afirma o estudo.

“Esta é uma omissão significativa”, alerta o relatório. Os autores argumentam que, grande parte dos investimentos na região concentra-se nos combustíveis fósseis, muitos dos quais não serão “queimados” se o objetivo for evitar mudanças climáticas catastróficas.

Os investidores da região estão mais preocupados com a governança corporativa e o crescimento econômico do que com as mudanças climáticas. Isso pode ser explicado, em parte, pela forma como os riscos ambientais são geralmente apresentados (ou contextualizados), ou seja, como se fossem separados dessas outras prioridades. Portanto, fazer referência explícita ao conceito dos ativos encalhados pode ajudar a promover uma maior conscientização dos riscos, além de influenciar o processo de tomada de decisão dos investidores.

A dívida soberana também é um risco grande para as economias mais sensíveis às alterações climáticas. Muitos países da América Latina são financeiramente vulneráveis às tempestades e secas, ou são superexpostos às indústrias de combustíveis fósseis, como a da Venezuela.

Perspectivas de curto prazo

“As instituições financeiras da América Latina tendem a priorizar problemas imediatos e questões de curto prazo”, afirma Ana Rios, do BID. Isso significa que os riscos e as implicações das mudanças climáticas acabaram sendo ignorados, acrescentou.

No entanto, investidores como os de fundos de pensão são mais receptivos à ideia de avaliarem os riscos que as alterações climáticas e os ativos encalhados representam aos seus investimentos, uma vez que precisam considerar os riscos de longo prazo das suas carteiras.

Guy Edwards, codiretor do Laboratório de Clima e Desenvolvimento da Universidade Brown, dos EUA, disse que os ativos encalhados e os riscos climáticos são temas especialmente relevantes para a América Latina e o Caribe, pois a região é altamente vulnerável a eventos climáticos extremos.

Rios explicou que, apesar da falta de ações, a região está em processo de alcançar outros países que já detêm um conhecimento avançado sobre os riscos climáticos. Em 2015, os investidores latino-americanos relataram a maior queda nas suas participações acionárias devido ao risco dos ativos encalhados.

Edwards acrescentou que o debate sobre ativos encalhados ganhou importância na agenda da América Latina depois que aconteceram várias mudanças, como a queda acentuada dos custos das energias renováveis e a entrada em vigor do Acordo de Paris, em 2016. Mais de 20 países da América Latina e do Caribe já ratificaram o acordo.

Globalmente, é necessário mais conhecimento para tornar os ativos mais resilientes ao clima e reduzir seu risco de “encalhamento”. O BID entrevistou funcionários de inúmeras instituições financeiras para compor seu relatório e descobriu que 73% deles não conhecem ou têm um responsável dentro da organização para assegurar que os riscos climáticos relevantes sejam avaliados.

Ponto cego das campanhas de desinvestimento

A campanha mundial que pede o desinvestimento em combustíveis fósseis – um dos movimentos sociais que mais cresce no mundo – não fincou raízes na América Latina. Os autores do relatório argumentam que a campanha de desinvestimento teve o efeito de estigmatizar os investidores institucionais de combustíveis fósseis, o que por sua vez afetou o valor das suas respectivas marcas e até sua capacidade de influenciar políticas.

Assim como acontece com os ativos encalhados, esta não é uma questão puramente semântica, nem é culpa dos investidores latino-americanos. Na região, muitos fundos de pensão – um setor financeiro bastante visado pelos defensores do desinvestimento – pertencem às instituições financeiras internacionais. Na maioria dos casos, eles têm políticas de empréstimo responsáveis, mas ainda não as observam em suas carteiras latino-americanas.

Mais promissores são os esforços que vêm sendo feitos pelas associações do setor financeiro e pelos bancos centrais da América Latina: “O Banco Central do Brasil incentiva todas as instituições financeiras a desenvolverem práticas e processos de gestão de riscos ambientais, sociais e de governança”, diz o relatório.