Poluição

Cidade do México corta poluição pela metade

Há 14 anos cidade não vivia crise como a desta semana

Alertas vermelhos, toques de recolher e crises de saúde pública, todos causados por um ar perigoso demais para se respirar. Quem viveu na Cidade do México nos anos 80 e 90 conhece bem os recentes problemas de poluição. Naquela época, os teores de chumbo, ozônio, carbono e enxofre no ar eram tão altos que chegavam a derrubar os pássaros do céu, diziam alguns. Pela primeira vez em 14 anos, níveis anormais de ozônio no vale que circunda a Cidade do México levaram as autoridades a ativarem um plano de contingência ambiental, durante esta semana, restringindo o uso de veículos e obrigando as fábricas a reduzirem as emissões de gases de efeito estufa em até 40%. Ainda assim, a rara ocorrência deste tipo de situação ajuda a destacar o avanço conquistado pela capital mexicana. “Nós tínhamos níveis de poluição similares aos observados hoje em Pequim e no norte da China”, lembra Antonio Mediavilla, diretor geral do programa de gestão da qualidade do ar da Secretaria de Meio Ambiente da Cidade do México (Sedema). O crescimento da economia mexicana levou a um forte aumento das emissões geradas pelos transportes e pela indústria, dando à capital o título indesejado de cidade mais poluída do mundo. Com disso, em 1996, os governos municipal e regional introduziram o aclamado Programa de Gestão para Melhorar a Qualidade do Ar (Proaire, em espanhol), em resposta à vontade da sociedade civil e das empresas de resolver o problema. Em sua terceira edição, o pacote de reformas do Proaire conseguiu reduzir a poluição atmosférica da Cidade do México, trazendo-a de um nível perigosamente alto – chegando a 300 na escala do Índice Metropolitano de Qualidade do Ar (Imeca), na década de 80 – para níveis médios abaixo de 150 em medições mais recentes. Houve épocas em que os níveis de ozônio no ar oscilavam em torno de 500 partes por bilhão (ppb). Agora, os valores registrados ficam na faixa entre 120 e 150 ppb. O Proaire foi ampliado e, hoje, é aplicado em 11 cidades em todo o país. Pacote desenvolvido ao longo de anos Em 1986, oficiais mexicanos divulgaram 21 medidas para combater a crise da poluição atmosférica. Foi naquela época que o gás natural começou a substituir o óleo combustível nas indústrias e na geração de termoelétricas no Vale do México – no qual estão inseridos a Cidade do México, o distrito federal e os estados de Morelos, Puebla, Tlaxcala e Hidalgo. Os governos locais também começaram a registrar a qualidade do ar de maneira mais sistemática. Em 1988, a Lei Geral de Equilíbrio Ecológico e Proteção Ambiental (LGEEPA) estabeleceu que as autoridades federais deveriam executar programas de redução das emissões nas áreas sob sua jurisdição. Enquanto isso, os governos estaduais precisariam delinear seus próprios programas de melhoria da qualidade do ar e encaminhá-los à Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Semarnat). Como parte de um novo esquema de monitoramento dos níveis de emissões, dessa vez mais amplo, a lei também obrigou as autoridades locais a implantarem programas para verificar os poluentes provindos dos transportes, setor campeão em emissões nas áreas metropolitanas do Vale do México. Em 1989, os governos municipal e regional introduziram o programa de rodízio Hoy No Circula, no qual um quinto de todos os veículos estaria proibido de circular a cada dia útil, com base no número final da placa. “É absolutamente necessário atacar, de forma decisiva e enérgica, os 20% que são responsáveis por 80% das emissões”, diz Mediavilla. “Depois, é preciso pensar regionalmente e desenvolver uma visão de longo prazo para realmente reduzir os níveis de poluição”. Victor Páramo, coordenador de saúde e poluição do Instituto Nacional de Ecologia e Mudança Climática (INECC), explica que o principal precursor do Proaire foi introduzido em 1990. O programa tornou obrigatória a inspeção veicular e estabeleceu uma oferta de gasolina sem chumbo, além de padrões mais rígidos para emissões veiculares, introduzindo o uso de catalisadores. Além disso, ampliou o sistema de metrôs. O precursor do Proaire incluiu também a coleta e publicação de análises matemáticas e fotoquímicas que revelaram altíssimos níveis de poluentes no sangue das pessoas, especialmente em crianças. Isso desencadeou uma ampla mobilização social liderada por grupos “verdes”, que organizaram protestos e exigiram participação em debates públicos sobre a qualidade do ar. “O Proaire é um espaço que permite uma série de acordos entre diferentes atores, tanto do lado da iniciativa privada como das diferentes esferas do governo e das ONGs”, diz Ana Martínez, diretora geral do programa de gestão da qualidade do ar, registro de emissões e transparência de poluentes no Semarnat. Em seguida, os governos da Cidade do México e do distrito federal aprovaram medidas conjuntas de combate à poluição por meio da recém-criada Comissão Ambiental Metropolitana (CAMe). O Proaire também aplicou novas restrições aos combustíveis, limitando a pressão de vapor e os teores de olefinas, compostos aromáticos, benzeno e enxofre. Logo em sequência, a estatal petrolífera Petroleos Mexicanos (Pemex) lançou um combustível premium. Além disso, o programa estabeleceu planos de gestão de áreas naturais protegidas na Cidade do México e sua área metropolitana. Novas fases Em 2001 e 2011, a segunda e terceira fases do Proaire coordenaram a renovação da frota de táxis e micro-ônibus na capital mexicana, além da criação da rede de ônibus metropolitanos e uma nova ampliação do metrô. O plano também iniciou o monitoramento de material particulado com diâmetro menor do que 2,5 micrômetros (PM2.5) e 10 micrômetros (PM10) e introduziu um sistema de alertas para avisar quando os níveis de ozônio ou partículas chegassem a níveis perigosos para a saúde humana. Os alertas orientam a população a permanecer em áreas fechadas durante o dia e restringir o uso de veículos. Na década de 1980, a capital mexicana passou a maior parte do tempo em situação de alto alerta; já nos dias de hoje, os avisos são emitidos apenas três ou quatro vezes por ano. De acordo com Antonio Mediavilla, apesar das conquistas obtidas com o Proaire, ainda existem muitos obstáculos: “O principal desafio é continuar com o crescimento econômico ao mesmo tempo em que se reduzem as emissões. Isto se aplica tanto às mudanças climáticas quanto à qualidade do ar. Precisamos utilizar energia renovável e fontes alternativas, reduzir o uso de veículos e passar a usar os sistemas de transporte coletivo”. De acordo com Martínez, é necessário um esforço cooperativo. “Todos nós precisamos fazer nossa parte para combater a má qualidade do ar”, diz ela, apontando que os planos nacionais agora abrangem 67 áreas prioritárias do México, que registram problemas de qualidade atmosférica por conta de sua localização geográfica, dentro de bacias. Ela afirma que a Secretaria do Meio Ambiente está trabalhando em planos de gestão que serão estendidos para todos os estados do país, formando o início de um acordo de âmbito nacional. Dentre os problemas que o Proaire ainda precisa atacar estão o alto uso de gás liquefeito de petróleo (GLP, ou propano) nas áreas metropolitanas e os persistentes congestionamentos e níveis de PM2.5 e PM10, que são de difícil controle. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) indicou recentemente que as despesas do governo mexicano com problemas de saúde causados pela poluição atmosférica já chegaram a US$ 29 bilhões. “Nós saímos de medidas macro de avaliação da qualidade do ar e passamos para medidas muito mais úteis, que detectam não apenas os poluentes primários, mas também os secundários, como o ozônio, e é por isso que o controle ficou muito mais difícil”, diz Martínez. Aprendendo com a experiência De acordo com Martínez, apesar dos sucessos do modelo adotado na Cidade do México, ele não pode ser replicado de forma idêntica em outras cidades, pois cada uma tem suas próprias particularidades. No entanto, ela acrescenta que as tecnologias modernas são muito mais eficientes e podem melhorar as medidas introduzidas há 20 ou 30 anos. Páramo afirma que o rodízio veicular ‘Pica y Placa’, de Bogotá, foi inspirado no Hoy No Circula, mas suas restrições valem apenas em determinados horários do dia, já que os hábitos de mobilidade na cidade colombiana haviam incentivado a compra de um segundo carro. Uma vez identificados os problemas específicos de cada cidade, Martínez defende que a compilação de um banco de dados confiável e a elaboração de estratégias para o curto, médio e longo prazos são componentes chave para o sucesso. “É preciso analisar com muito cuidado as características dos diferentes municípios, especialmente as fontes de poluição”, ela diz.