Comércio & Investimento

China e América Latina: como seguir adiante?

A China é a a terceira maior investidora na América Latina

O voraz apetite da China por minerais tem impulsionado muito o crescimento da América Latina e, em menos de duas décadas, a região transformou-se em seu importante parceiro. As minas, os empréstimos e o envolvimento cada vez maior de empresas chinesas em outros setores, como na infraestrutura, estão causando receio por causa dos impactos sociais e ambientais, e pelo fato de o desenvolvimento econômico desigual vir a causar problemas no futuro.

“Há quinze anos, a China não aparecia nas estatísticas de negócios e investimentos dos países da América Latina. Nos últimos cinco anos, tornou-se o primeiro, segundo ou terceiro parceiro comercial de praticamente todos os países da região”, afirma Enrique Dussel Peters, da Universidade Autônoma Nacional do México.

Centros de crescimento no Peru e Chile

Em nenhum lugar da América Latina, o impacto da China foi maior que no Peru, devido à longa história de mineração e imigração chinesa.

Com a aquisição da mina de Las Bambas pela Minmetals, um negócio de US$7 bilhões, confirmado em julho, os chineses controlam um terço da indústria da mineração no Peru, de acordo a Câmera de Comércio do Peru. Quando a Las Bambas começar a produzir, no próximo ano, a expectativa é que gere 400 mil toneladas de cobre por ano, sendo que a metade será destinada à China.

Da mesma forma, a aquisição de ativos da Petrobras pela PetroChina, uma empresa de capital aberto controlada pela estatal chinesa CNPC, significa que a CNPC estará envolvida em quatro das cinco maiores concessões de produção de petróleo do Peru.

“A Las Bambas agora pertence a uma empresa da China e se eles adquirirem participação [financeira] em Tintaya, o sul dos Andes poderá se tornar chinês”, afirma Ximena Warnaars, da Earthrights International no Peru.

O comércio entre a China e o Peru também ganhou importância com a assinatura de um acordo de comércio em 2009, o segundo da China na América Latina, após o Chile.

Entre 2003 e 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Peru cresceu em média mais de 8% e, entre 2009 e 2012, pouco menos de 6%. De acordo com o Banco Mundial, a exportação de bens e serviços respondeu por mais de um quarto do PIB do Peru durante esses anos e a China é o maior parceiro comercial do Peru desde 2011, argumenta o pesquisador da Universidade do Pacífico do Peru, Alan Fairlie.

“O Peru, juntamente com o Chile, está vendendo commodities para China a rodo”, afirma Carol Wise, da Universidade do Sul da Califórnia. “Minério de ferro, cobre, farinha de peixe… É muito importante para eles. O Peru é sem dúvida o maior beneficiário”.

De acordo com Wise, o comércio entre a China e a América Latina se concentra em cinco países: Peru, Chile, Argentina, Colômbia e Brasil. Em 2009, a China passou os EUA e se tornou o maior parceiro do Brasil, sendo a soja, o óleo e o minério de ferro os três principais produtos de exportação.

Parceiro predominante

O crescimento da importância da China no comércio da região gera sérias preocupações. As questões incluem trocas desiguais, especialmente com o México, e possíveis futuras armadilhas de pobreza, a menos que os governos compensem o crescimento dos minerais com o desenvolvimento de outras indústrias.

A força econômica atual da China foi alcançada pela atração de investimento estrangeiro no setor de manufatura, enfrentando a rejeição com a insistência na transferência de tecnologia dos investidores em potencial.

“A América Latina envia matéria prima para a China e, em troca, compra bens manufaturados”, afirma Dussel Peters. “Isso não se sustenta no médio e longo prazos, e os chineses sabem disso muito bem. Eles jamais aceitariam este tipo de relação comercial para eles próprios”.

Outra questão latente é que os laços comerciais estendem-se de forma desigual pela região. As exportações do México, Equador, Paraguai e “da maioria dos países do Caribe e da América Central” para a China permanecem comparativamente muito pequenas, afirma Yong Zhang, da Academia de Ciências Sociais Chinesa, em um artigo acadêmico recente.

A construção de infraestrutura é outro setor que está experimentando crescimento, com projetos e planos de grande escala ambiciosos com participação chinesa na América Latina.

Um exemplo emblemático são os planos do Grupo HKND, sediado em Hong Kong, de construir um canal atravessando a Nicarágua, da costa oeste no Oceano Pacífico à costa leste no Mar do Caribe, para atender ao crescimento projetado do comércio marítimo global. O trajeto para o canal de mais de 276 quilômetros foi aprovado no mês passado: ele passará pelo maior lago da América Central, o Lago Nicarágua, e terá um comprimento três vezes maior que o do Canal do Panamá.

Outro exemplo convincente é a participação de empresas chinesas na construção de uma ferrovia transoceânica na América do Sul, ligando a costa do Pacífico no Peru, à costa do Atlântico no Brasil. A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, comprometeu-se a “trabalhar juntamente com a China e com o Peru para que este projeto se torne realidade”, de acordo com Xinhua.

Financiamento de infraestrutura

As empresas chinesas também estão direta ou indiretamente envolvidas em outros tipos de projetos de infraestrutura. Após a cúpula “G77 +China”, em junho, segundo a AFP, o presidente da Câmara de Comércio da região de Santa Cruz na Bolívia afirmou que a China tem interesse em “projetos de industrialização” na Bolívia a um custo estimado de US$42 bilhões. No ano passado, um consórcio liderado pelo China Gezhouba Group Corporation (CGGC) venceu uma licitação para construir duas hidrelétricas na Argentina.

No momento, empresas chinesas estão envolvidas em 24 projetos de barragens na América Latina, de acordo com Grace Mang, Diretora de Programas da China da Organização Não-Governamental (ONG) International Rivers, radicada em Pequim.

A China também tem um papel cada vez mais importante – em alguns casos vital – na concessão de empréstimos para a região, principalmente a partir da crise financeira global. Bancos chineses emprestaram mais de US$100 bilhões para governos e empresas da América Latina e do Caribe, entre 2005 e 2013. De acordo com os pesquisadores da Universidade de Boston, Amos Irwin e Kevin Gallagher, mais da metade destinou-se à Venezuela. Argentina, Brasil e Equador ocuparam o segundo, terceiro e quarto lugares.

“O financiamento chinês é uma fonte alternativa, não somente ao Banco Mundial e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, mas também aos bancos comerciais ocidentais”, afirma Irwin. “Isso é especialmente evidente no Equador, onde mostraram aos investidores que poderiam sobreviver com empréstimos da China, mesmo depois da moratória do débito nacional, que fez com que a taxa de crédito despencasse, afastando todos os outros financiadores estrangeiros”.

Os bancos estatais chineses também estão emprestando bilhões diretamente a empresas estatais chinesas com operações no exterior. Irwin e Gallagher estimam que esses empréstimos somem US$140 bilhões desde 2002, aproximadamente 80% deles dirigidos aos setores de petróleo e mineração.

Um tsunami de investimentos

“Isso é muito mais recente que os laços comerciais e é uma segunda onda no novo relacionamento econômico entre a América Latina e a China”, afirma Dussel Peters. “Desde a crise econômica, a China tem exportado capital de tal forma que, nos últimos dois ou três anos, tornou-se a terceira maior fonte de investimento direto estrangeiro no exterior”.

Os bancos chineses agora pretendem elevar seu papel de financiador a um outro patamar. No mês passado, a cúpula do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) concordou em criar um “Novo Banco de Desenvolvimento” de US$100 bilhões, com sede em Xangai, para financiar “projetos de desenvolvimento sustentável e de infraestrutura” nos países membros do BRICS e em outros países “em desenvolvimento”, assim como uma reserva de US$100 bilhões, chamada “Arranjo Contingente de Reservas”, para ajudar os países em caso de dificuldades no balanço de pagamentos.

Há, no entanto, uma grande preocupação em determinados setores em relação aos impactos potenciais da presença crescente da China na sociedade, no meio ambiente e, até mesmo, na soberania nacional da América Latina. Isso se dá em parte porque qualquer investimento ou projeto é visto como causa de preocupação e em parte devido ao histórico de impacto ambiental, das condições de trabalho, da falta de transparência e de responsabilidade da China.

Algumas empresas chinesas já se envolveram em projetos especialmente problemáticos. Entre eles, no Peru estão as duas concessões de petróleo mais controversas (e das maiores também), em que uma contaminação grave levou à declaração de “emergência ambiental” em quatro diferentes bacias hidrográficas, e minas como Marcona, Rio Blanco e Toromocho.

A Rio Blanco foi comprada por um consórcio liderado pela Zijin Mining, apesar de anos de tumulto durante a administração anterior, que contou com protestos de milhares de pessoas, tortura, assassinatos e uma ação judicial no Reino Unido.

Em Toromocho, operada pela estatal Chinalco, houve tensão nas tentativas de reassentar uma cidade inteira de quase 5 mil habitantes. Embora havendo pontos positivos na forma como a Chinalco lidou com o reassentamento, houve também falhas. De acordo com Daniel Alvarez Tolentino, do Escritório do Arcebispo de Huancayo, o novo local escolhido para a cidade é totalmente inadequado, as novas casas são muito pequenas e estão afetando a saúde das crianças e, as cerca de 120 famílias que se recusaram a mudar, agora estão em total abandono.

Em março, o governou obrigou a Chinalco a interromper as operações devido a queixas de impactos ambientais e, no dia 6 de agosto, a organização de base FADDIM ingressou com duas ações judiciais contra a empresa e o Ministério de Minas e Energia.

“A Chinalco rejeita totalmente as pessoas que continuam morando na antiga Morococha”, afirma Alvarez Tolentino.

Direitos dos nativos

No outro lado da fronteira no Equador, duas empresas estatais chinesas controlam o projeto de mineração mais famoso do país, o Mirador, e a CNPC planeja explorar novas concessões de petróleo no mundialmente famoso Parque Nacional Yasuni, nas profundezas da floresta amazônica. Essas operações foram condenadas nacional e internacionalmente e a organização indígena ECUARUNARI entrou com uma ação na justiça.

Além disso, o Equador recentemente promoveu um leilão controverso do que inicialmente seriam 21 novas concessões de petróleo. Foram recebidas ofertas somente para três concessões, duas feitas pela empresa chinesa Andes Petroleum. As duas concessões, chamadas “Bloco 79” e “Bloco 83”, se estendem até o território do povo indígena Sapara (ou Zápara) na Amazônia. No início do ano, os líderes dos Sapara, Klever Ruiz e Gloria Ushigua, pressionaram as Nações Unidas condenando as operações petrolíferas em suas terras.

“Nosso povo está correndo um sério risco de extinção”, escreveram. “Resolvemos em diversas assembleias, congressos e declarações indígenas que não queremos a indústria extrativa, como a de exploração de petróleo, em nosso território”.

Mang, da International Rivers, admite que as empresas chinesas “estão se envolvendo em projetos que foram recusados anteriormente por outras empresas” e cita como exemplo as barragens de Patuca em Honduras. De acordo com Andy White, da ONG sediada em Washington Rights and Resources Initiative, as empresas chinesas têm padrões mais baixos de governança ambiental e social.

“Os cidadãos têm muito pouco acesso aos tomadores de decisões corporativas e pouquíssimos meios para influenciá-los”, acrescenta.

Regras para financiamento verde

Outros argumentam, no entanto, que os regulamentos de empréstimos dos bancos chineses estabelecem padrões mais altos que os dos bancos ocidentais. Embora havendo pouca evidência de que esteja sendo seguida desde sua adoção, há dois anos, a “Diretiva de Crédito Verde” (DCV) da China – um regulamento do governo exigindo que os bancos considerem impactos socioambientais antes de concederem empréstimos – é tida por alguns como superior aos modelos de financiamento verde ocidentais.

“A DCV estabelece um padrão muito alto”, afirma Paulina Garzon, do Centro para Direitos Econômicos e Sociais do Equador (CDES), mas também menciona que colocá-la em prática é uma outra questão.

“Duas coisas que os bancos chineses têm em comum com diversos países da América Latina são que, os regulamentos ambientais são bons, mas a implantação e os sistemas de fiscalização são muito fracos”, afirma ela. “Os investimentos chineses no Equador são enormes e, até o momento, prometem ser um desastre ecológico para o país”.

Pode-se dizer que o impacto das operações chinesas no Equador gerou mais preocupação do que em qualquer outro país. Além da mineração e exploração de petróleo na Amazônia, as empresas chinesas estão agora envolvidas em uma série de projetos de hidrelétricas e propostas para construção de uma refinaria de petróleo na costa do Pacífico. Os bancos chineses emprestaram tamanha quantidade de dinheiro que há quem afirme que o débito nacional está fora de controle e que a soberania do Equador está sendo ameaçada.

A sociedade civil do Equador está lutando e adotando estratégias como pressão aos bancos chineses, ações judiciais, publicação de um manual de regulamentos socioambientais para empréstimos chineses e investimento estrangeiro e apelo a instituições internacionais como a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos.

“O problema com as empresas chinesas é que elas não se importam muito com direitos humanos, embora estejam mais abertas a conversar sobre o meio ambiente”, afirma Warnaars, da EarthRights International. “Foi isso que as comunidades contra o projeto Mirador no Equador entenderam em uma queixa feita à Comissão [Interamericana]”.

Mas outros são muito mais positivos, ou negligenciam as diferenças entre as empresas chinesas e não chinesas. “Em termos de impacto de curto ou longo prazo no Peru, temos somente um caso a examinar, a Shougang [empresa que opera a mina Marcona], e é sabido que este caso é realmente terrível”, afirma Irwin. “Sem dúvida alguma, existem problemas trabalhistas enormes, mas em termos de condições sociais e ambientais de trabalho, são bem similares a outras empresas do Peru”.

De acordo com Margaret Myers, do grupo de estudos Diálogo Interamericano, em Washington, as empresas chinesas passaram por um “verdadeiro aprendizado”. Shougang foi um “desastre”, mas a Chinalco fez um “trabalho muito bom” em Toromocho.

“Quando padrões e regras se sustentam, as empresas chinesas tendem a obedecê-los”, afirma. “Do contrário, há margem para que as empresas façam o que for mais conveniente para elas”. Isso não é exclusividade de empresas chinesas. É o que se vê em muitas multinacionais”.