Água

As torneiras do Brasil estão secas e a culpa é da má gestão da água e do desmatamento

Cientista diz que desmatamento é a principal causa para a seca que atinge o Sudeste
<p>Represa na Serra da Cantareira, em São Paulo, em 19 de abril de 2014 (Imagem: <a href="https://flic.kr/p/o5DXyN">Luciano Marra</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/">CC BY</a>)</p>

Represa na Serra da Cantareira, em São Paulo, em 19 de abril de 2014 (Imagem: Luciano Marra, CC BY)

As maiores cidades brasileiras enfrentam a perspectiva do racionamento de água, agora que a pior seca do país em mais de 80 anos esvaziou os reservatórios quase por completo, dando ainda mais força ao argumento de que a derrubada das árvores mudou o clima do Brasil e diminuiu a incidência de chuvas.

Com o agravamento da falta de água, Antonio Nobre, um dos principais cientistas brasileiros especialistas em mudança climática, vem manifestando com vigor sua opinião de que a perda da cobertura florestal da Amazônia e da Mata Atlântica é a principal razão da grave seca que afeta as cidades do sudeste.

“Estamos caminhando para o abismo”, disse Nobre ao Diálogo Chino, acrescentando que a prolongada derrubada de árvores impediu o movimento das chuvas para o sudeste do Brasil, chuvas que antes reabasteciam os reservatórios e as barragens. Nobre, que publicou um relatório sobre o assunto no fim do ano passado, disse que o governo é culpado de “procrastinação criminosa” por não ter plantado árvores suficientes na última década, medida que poderia ter evitado as grandes alterações nos sistemas climáticos do país, aparentemente culpadas pela seca.

O governo brasileiro afirma que tem feito muito para desacelerar o desmatamento desde a virada do século 21, e disputa que a perda da cobertura florestal seja a principal causa da seca, apontando como causa as alterações nos padrões climáticos mundiais, provocadas pela mudança climática global.

Enquanto isso, à margem do debate científico, os moradores das cidades que enfrentam a perspectiva de racionamento querem saber quando o abastecimento vai melhorar, e parecem criticar cada vez mais o papel dos políticos e das empresas hídricas estatais na crise.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que foi acusado no ano passado de minimizar as perspectivas de racionamento, reconheceu na semana passada que a água talvez saia das torneiras apenas dois dias por semana. Cerca de 60% dos moradores de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte ‒ um total de mais de 30 milhões de pessoas ‒ dizem que estão sentindo o impacto da estiagem. A crise provocou pânico na compra de água engarrafada, uma frenética escavação de poços, um enorme transtorno para a indústria e as pequenas empresas, e temores de que os hospitais não consigam realizar tratamentos essenciais, como a diálise.

O Itaú, um dos maiores bancos do Brasil, divulgou que um eventual racionamento de água e energia elétrica poderia reduzir o crescimento econômico do país em 0,6 pontos percentuais.

O nível da água no sistema Cantareira, uma rede de cinco reservatórios que abastece São Paulo, controlada pela concessionária estadual Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), baixou para cerca de 5% da capacidade total, embora os reservatórios menores que fornecem água para a cidade não estejam tão vazios.

A crise da água está testando ainda mais a paciência dos brasileiros, que nos últimos anos vêm protestando contra a inflação elevada, o mercado de trabalho moribundo, o alto custo de sediar a Copa do Mundo do ano passado, a infraestrutura decadente e a má qualidade dos serviços públicos. Muitos culpam o governo do estado de São Paulo e a Sabesp por não terem modernizado partes vitais da infraestrutura, como as tubulações e as estações de tratamento de águas servidas.

Segundo algumas estimativas, a porcentagem de água potável perdida por vazamentos chega a 37%. Alguns moradores de São Paulo já avisaram que terão que deixar a cidade se as torneiras secarem. Em paralelo, os cortes de energia estão ficando cada vez mais frequentes e prolongados nessa que é uma das maiores cidades do mundo.

O Brasil obtém 70% da sua energia dos recursos hídricos e os reservatórios que alimentam as usinas hidrelétricas, como a de Itaipu, a maior do mundo fora da China, também estão quase esgotados.

A China conhece bem o alto custo da seca

O impacto causado pelo rápido crescimento econômico brasileiro, a migração para as cidades e a falta de investimentos em infraestrutura também significa uma dura advertência para outras áreas urbanas em rápido crescimento quanto ao alto custo econômico da seca.

Beijing, com tamanho semelhante a São Paulo, já compreendeu a magnitude de uma possível crise que a falta de água pode representar para a vida urbana e o crescimento econômico. A capital chinesa será uma das principais beneficiárias de um projeto de US$ 80 bilhões de transferência hídrica que desvia a água das províncias do centro do país para o norte, atualmente sofrendo com a escassez; mas alguns observadores duvidam que a enorme rede de canais e estações de bombeamento baste para resolver a crise no longo prazo.

A China também lançou outro grande projeto de engenharia ambiental para ajudar a agricultura nas áreas secas. Seu programa de plantio de árvores, chamado Grande Muralha Verde, visa deter o avanço da desertificação nas províncias do norte, mas não há consenso entre os cientistas quanto à eficácia do plano.

Esta matéria foi publicada originalmente pelo China Dialogue.